10 de setembro de 2018 - Por Gabriella Bertoni
Para uma mulher, ingressar na pesquisa científica requer muita coragem e força de vontade. E não estamos falando sobre a dificuldade para produzir os conteúdos acadêmicos e da dedicação que a universidade demanda, pois isso tiramos de letra. Falamos aqui dos dissabores da falta de investimento governamental, de uma educação que, a cada ano, fica mais sucateada e de como é complicado ser mulher em qualquer área do conhecimento.
Por mais que metade dos artigos científicos escritos no Brasil sejam produzidos por mulheres, avançar com as pesquisas e se consolidar na carreira não é tarefa fácil. O sentimento comum a muitas pesquisadoras sobre a falta de investimento é o desânimo.
“Já pensei muitas vezes se o correto e mais prudente não seria investir em uma carreira pública qualquer, trabalhar em um banco ou no comércio, já que a pesquisa está fadada ao fracasso. É muito difícil explicar aos meus pais, por exemplo, que talvez anos de pesquisa não me dêem retorno financeiro. Às vezes é difícil explicar isso até a mim mesma. Mas o desmonte não é definitivo, então, enquanto dá, estou estudando”, comenta Bárbara Ariola, profissional autônoma e mestranda em Antropologia.
Não é de hoje que enfrentamos dificuldades no dia a dia apenas por sermos mulheres. Na pesquisa científica não poderia ser diferente. De acordo com dados oficiais deste ano do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), apenas 14% dos membros da Academia Brasileira de Ciências são mulheres.
Por mais que sejamos a maioria (57,2%) dos estudantes matriculados em cursos de graduação no País, ainda somos sub-representadas nas áreas de pesquisas, sobretudo nas engenharias, onde somos apenas 2,5% entre os profissionais. A participação feminina diminui conforme o prestígio na carreira científica aumenta.
Ainda segundo o levantamento, as mulheres detêm 59% das bolsas de iniciação científica do CNPq. Contudo, somente 35,5% das pesquisadoras são contempladas com financiamentos maiores – esse número cai para 24,6% para bolsas 1A, consideradas mais prestigiadas pelos pesquisadores.
“Ser mulher em qualquer área de formação é difícil, na minha não é diferente. Percebi logo quando comecei a pesquisar, ainda na graduação, que as mulheres têm que se provar muitas vezes a mais que os homens. Trabalho com peixes, e diversos colegas decidiram ingressar nessa área por pescarem quando pequenos – mas, para eles, pescaria é ‘coisa de menino’. Por esse e vários outros motivos as mulheres são subjugadas nas pesquisas e representam uma parcela menor das convidadas em congressos científicos para palestrar”, ressalta Veronica Slobodian, bióloga que pesquisa ictiologia (estudo dos peixes), sua anatomia, descrição de espécies e como se deu a evolução desses seres.
Em 2016, o governo aprovou a Lei do Teto de Gastos, que estabelece um limite para os gastos públicos até 2036. A intenção da chamada “PEC do Teto” é auxiliar a recuperação da economia brasileira. Entretanto, entre outros setores, o corte impactará substancialmente o Ministério da Educação (MEC).
De acordo com a Lei Orçamentária do órgão, o orçamento total de 2018 é de R$ 23,6 bilhões. Para 2019, o valor será de R$ 20,8 bilhões – uma redução de 12%. Para Maria Cristina Couto Melo, professora de ensino superior e pesquisadora em Cinema, essa é uma perda que impacta diretamente o desenvolvimento da pesquisa científica no Brasil.
“O corte das verbas prejudica principalmente o funcionamento dos programas que dependem dos recursos repassados para desenvolver as pesquisas, realizar as seleções dos profissionais e promover eventos científicos e palestras que dão a oportunidade de discutir as produções de maneira mais direta. Esse universo científico é muito rico para os pesquisadores, que muitas vezes são responsáveis por disciplinas dentro dos programas, nas bolsas de pós-graduação e precisam do financiamento de projetos de pesquisa no geral”, pontua.
Já Amarílis Costa, advogada e pesquisadora de Direitos Humanos e Relações Raciais, acredita que as pesquisas científicas são realizadas de forma extremamente precária, o que faz com que a vanguarda científica do Brasil precise disputar espaço em outras universidades ao redor do mundo.
“Desta forma, nossos talentos escorrem pelos dedos do Estado e o conhecimento produzido por brasileiros deixa de ser aplicado em benefício da nação. Para mudar esse cenário, é preciso reconstruir as bases nacionais de educação e investir em políticas públicas de acesso e permanência estudantil. Além disso, é fundamental refutar todo e qualquer corte relacionado aos investimentos em educação”, argumenta.
Agosto trouxe uma notícia que abalou o universo da pesquisa: o corte no repasse de R$ 580 milhões para o orçamento de 2019 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), anunciado pelo Governo Federal. De acordo com a entidade, a previsão é que a falta de dinheiro extinguirá 200 mil bolsas.
Isso significa menos investimentos na pesquisa de áreas fundamentais para o País, como energia, agricultura, vacinas e até economia. Outro corte promete atrapalhar os trabalhos científicos no Brasil: o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) prevê um corte de 33% no orçamento das verbas direcionadas às pesquisas em 2019.
O orçamento diminuirá de 1,2 bilhão para R$ 800 milhões no próximo ano, valor insuficiente para cobrir ao menos as bolsas atuais, que custam aproximadamente R$ 900 milhões. Tanto a Capes quanto o CNPq são agências de fomento de amplitude nacional, que fornecem o dinheiro necessário para grande parte da pesquisa feita no Brasil – estudos estes realizados, em sua maioria, por bolsistas.
Slobodian conta que, ao terminar o doutorado, procurou programas de pós-graduação e laboratórios para fazer pós-doutorado e continuar com o seu trabalho.
“Encontrei muitos candidatos doutores concorrendo à mesma vaga no pós-doutorado, devido a diminuição das bolsas ofertadas em geral. Meu projeto chegou a receber elogios e o parecerista recomendou a aprovação da minha proposta, mas a resposta final que recebi foi: ‘Apesar de meritória, a proposta foi priorizada abaixo da linha de corte dos recursos disponíveis’”, relembra.
O dia 2 de setembro de 2018 terminou com um golpe na alma de todos os brasileiros: exatamente 196 anos depois da princesa Leopoldina assinar a declaração de independência do Brasil, o Museu Histórico Nacional sucumbiu às chamas que há tanto tempo foram previstas. Mais de 20 milhões de itens históricos se perderam e, com eles, o esforço e dedicação de tantos pesquisadores.
O incêndio é apenas a ponta do iceberg da falta de investimento em pesquisa e ciência pelo qual o Brasil passou nos últimos anos. Para você ter uma ideia, o valor anual necessário para manter o museu é de R$ 520 mil. Porém, a instituição começou a sofrer cortes orçamentários em 2014, chegando a menos 37% do valor necessário em 2017.
Por causa de problemas internos, dez das trinta salas de exposição estavam fechadas para visitação – uma delas havia sido interditada há cinco meses ao ser atacada por cupins. Para tentar salvar o museu, a administração da entidade tentou reabri-la por meio de um financiamento coletivo, sem sucesso.
Para celebrar os 200 anos do Museu, a instituição fechou um acordo com Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para receber R$ 21,7 milhões destinados para a restauração do local, mas não houve tempo hábil para iniciar a reforma. Lá, havia um acervo de preciosidades do mundo todo, como o crânio de Luzia, o ser humano mais antigo da América Latina, múmias egípcias e esqueletos de dinossauros.
Se, por um lado, o Museu pedia ajuda governamental há anos para se manter aberto e as respostas eram sempre de que não havia verba disponível, por outro a cada ano a União desembolsa cerca de R$ 2,14 milhões para cada deputado – dentro desse valor está incluído um salário de mais de R$ 33 mil, verba de gabinete, deslocamento e ajuda de custo, entre outros benefícios. O valor total gasto com os 513 deputados federais é de R$ 1,1 bilhão por ano.
“Sinto que há um sucateamento proposital de nossos museus. Após a tragédia do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, foram descobertas várias irregularidades. Tivemos também o incêndio do Liceu de Artes, também com irregularidades. Infelizmente assistimos o Museu Nacional ser engolido pelo fogo. Nossa Luzia foi destruída e com ela perdemos a oportunidade de compreender melhor quem somos e de onde viemos. Os investimentos em educação e saúde encontram-se congelados por duas décadas e os aparelhos de cultura são extintos ou sucateados. Nossos acessos ao conhecimento estão cada vez mais restritos”, conclui Costa.
Fotos: Fotolia
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